terça-feira, 2 de agosto de 2011

A Besta

“Cuidado com a besta dos olhos tristes”, disse a velha, mas ninguém ouviu.

8:37pm. No bosque dos baobás, um casal caminhava. A paisagem ao redor, encantadora, os deslumbrava. O gramado verde e fresco contrastando com as grandes árvores, tão imponentes que mais se pareciam com deuses antigos. Os mais antigos.

As pernas cansadas clamavam por descanso, e seus donos acharam melhor atendê-las. Acenderam a fogueira, improvisaram bancos de madeira, e armaram a barraca. Tinham frutas, doces e marshmallows, mas ambos os cantis estavam vazios, e as bocas, secas. Para a sorte deles havia um lago bem próximo dali, e a água aparentemente era potável. O rapaz disse à sua companheira que buscaria água, e pediu que ela preparasse os marshmallows enquanto isso. “Volto num instante”, disse e partiu.

Cinco minutos depois, o silêncio. Dez minutos depois, o silêncio. Quinze minutos, e ainda o silêncio, agora um tanto perturbador. Dezessete minutos, um som esguio no mato. Passos? Dezessete minutos e trinta e quatro segundos, o som se intensifica. Passos! E agora em corrida. Dezessete minutos e quarenta e dois segundos, gritos. “Afaste-se de mim!”. A garota se assusta. Seria um ladrão? Mas logo ali? Ela se apavora. São gritos amedrontados, aflitos. Um alto lamento de horror, que dura alguns segundos. E logo em seguida, silêncio novamente. A garota está em pânico.

Podia ouvir agora uma respiração ofegante não muito longe dali. É assustadora. O farfalhar da grama denuncia a aproximação. Mas como sabia que ela estava ali? Parecia farejar. Foram alguns instantes de terror, aparentemente eternos, aguardando que algo acontecesse. E aconteceu. O primeiro vislumbre foi dos olhos. Claros como o dia, tristes como a noite. Logo em seguida, a criatura.

“Cuidado com a besta do olhos tristes”, disse a velha. E agora ela via. Uma besta que não era animal, um homem que não era humano. Um rebento da civilização adotado pela mãe natureza. Ou seria o contrário? Antes de achar a resposta, sentiu uma forte pontada no abdome. O punhal fora cravado, ou talvez fossem garras. Só via sangue, e sustentava um olhar frio. Não tinha forças para lutar, e, sem saber porque, não queria. Porém assistia a tudo. Foi cortada, rasgada e estripada. Podia ver o próprio coração pulsando nas mãos de seu assassino, mas não entendia como. Estaria sonhando? Não teve tempo de descobrir. A vista enegreceu, as forças sumiram, e então, dormiu. Acordou com fome. Buscou alimento, se satisfez. A fome voltou rápido. Se alimentou novamente. E de novo. Uma refeição seguida de outra. A fome não passava, e ela caçava o tempo todo. Não parava, não perdia uma presa. Não pensava, só agia.

“Cuidado com a besta dos olhos frios”, disse a velha, mas ninguém ouviu.

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